O PERCURSO DO TEXTO
A ideia
de uma história – mais propriamente de uma sequência narrativa – é quase sempre
um lance simples, não mais do que a costura de um acontecimento que principia e
se desenvolve através de conflitos conduzidos pelo narrador até o seu preciso
desfecho.
Em
síntese, se expressa por cerca de quatro linhas.
Se não,
vejamos: “O velho Rosalvo Serapião é dono de terras com criação de gado. Ao
viajar sozinho até sua propriedade, seu jeep é metralhado. Ele é assassinado. A
investigação indicia diversos suspeitos. O assassino é deveras alguém que
surpreende o leitor”.
Simples...
simplíssimo, mas...
...
definida a ideia, difícil será sua composição palavra a após palavra, frase
após frase, num jogo verbal que exige elegância e, no caso, ritmo ajustado por
passagens intrigantes, enigmas e suspense suficientes para atrair o interesse
de quem lê, desfecho passível de credibilidade em verossimilhança.
Enfim,
toda uma rede de situações que se articulam a favor da composição narrativa,
também com precisas descrições de personagens presentes nos cenários de suas
existências e dissertações de causas e efeitos para a expressão das ações do
conflito, tudo no alcance de uma conclusão lógica que justifique o encadeamento
da trama.
Será
literatura se a expressividade do texto transcender ao prosaico, para o que se
exige toda uma condução original do enredo adequada a uma comunicação poética
da língua e da linguagem, com ajustes de palavras e frases plenas de sentido e
sons capazes de unir coerência, beleza e bom gosto no corpo do que é narrado,
feitios nem sempre conscientes na execução da atividade criadora do escritor.
Sempre
me recordo de certa ocasião em que li um conto cujo elemento de maior realce
enredado era uma vigorosa ventania no decorrer de praticamente toda a trama.
O
que mais me emocionou durante essa leitura foi o sentimento evidente de que, ao
ler essa história, ventava forte em torno de mim, embora estivesse tranquilo em
casa, num dia de sol firme, distante de qualquer tormenta, tempestade, chuva ou
vento no meio ambiente que me cercava.
Após
ler o conto, intrigado por seu bom resultado sensível, procurei no texto o que,
além de seu conteúdo, me causava tal sensação de ventania.
Não
custei a descobrir o ajuste linguístico preciso para tão belo e impressionante
resultado narrativo.
Simplesmente
seu escritor trouxera para o conto todo um significativo número de vocábulos
com fonemas suficientes para induzir e encaminhar o leitor a uma progressiva
sensação de sussurros semelhantes à sonoridade do vento.
Não
creio que essa escolha vocabular tenha acontecido de modo proposital, racional e/ou
pinçado de algum dicionário à disposição do escriba.
Prefiro
acreditar que, ao longo do ato de criar, tudo tenha acontecido de maneira,
digamos, um tanto intuitiva.
Estou
seguro de que o escritor desse conto chegou a seu belo resultado por se
entregar plenamente a uma precisa invasão de todo um ritmo fonêmico –
explicitamente, sonoro - cúmplice do sentido da situação narrada.
Com peculiar
uso da língua e da linguagem literária expressivas, assim ele vivenciou e alcançou
equilibrada escolha verbal de termos poéticos próprios para narrar o vento
presente em seu conto, com justo e atraente efeito junto aos sentimentos e a
mais devida percepção do leitor.
Por
que acontece isso ou como isso acontece na atividade criadora de um escritor?
Qual
a fonte geradora da palavra certa, de uma boa frase ou da sonoridade de um belo
texto narrativo?
O
que conduz o escritor à cumplicidade necessária do sentido e do som das
palavras no bom resultado de um texto literário?
Estranhos
mistérios do ato de criar uma história.
Decerto
outra história... a ser contada em outra ocasião.
Resta
aguardar. Hei de contar.
J. A.
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