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O PERCURSO DO TEXTO

sábado, março 28, 2015 José Arrabal 0 Comments Category :


A ideia de uma história – mais propriamente de uma sequência narrativa – é quase sempre um lance simples, não mais do que a costura de um acontecimento que principia e se desenvolve através de conflitos conduzidos pelo narrador até o seu preciso desfecho.

Em síntese, se expressa por cerca de quatro linhas.

Se não, vejamos: “O velho Rosalvo Serapião é dono de terras com criação de gado. Ao viajar sozinho até sua propriedade, seu jeep é metralhado. Ele é assassinado. A investigação indicia diversos suspeitos. O assassino é deveras alguém que surpreende o leitor”.

Simples... simplíssimo, mas...

... definida a ideia, difícil será sua composição palavra a após palavra, frase após frase, num jogo verbal que exige elegância e, no caso, ritmo ajustado por passagens intrigantes, enigmas e suspense suficientes para atrair o interesse de quem lê, desfecho passível de credibilidade em verossimilhança.

Enfim, toda uma rede de situações que se articulam a favor da composição narrativa, também com precisas descrições de personagens presentes nos cenários de suas existências e dissertações de causas e efeitos para a expressão das ações do conflito, tudo no alcance de uma conclusão lógica que justifique o encadeamento da trama.

Será literatura se a expressividade do texto transcender ao prosaico, para o que se exige toda uma condução original do enredo adequada a uma comunicação poética da língua e da linguagem, com ajustes de palavras e frases plenas de sentido e sons capazes de unir coerência, beleza e bom gosto no corpo do que é narrado, feitios nem sempre conscientes na execução da atividade criadora do escritor.

Sempre me recordo de certa ocasião em que li um conto cujo elemento de maior realce enredado era uma vigorosa ventania no decorrer de praticamente toda a trama.

O que mais me emocionou durante essa leitura foi o sentimento evidente de que, ao ler essa história, ventava forte em torno de mim, embora estivesse tranquilo em casa, num dia de sol firme, distante de qualquer tormenta, tempestade, chuva ou vento no meio ambiente que me cercava.

Após ler o conto, intrigado por seu bom resultado sensível, procurei no texto o que, além de seu conteúdo, me causava tal sensação de ventania.

Não custei a descobrir o ajuste linguístico preciso para tão belo e impressionante resultado narrativo.

Simplesmente seu escritor trouxera para o conto todo um significativo número de vocábulos com fonemas suficientes para induzir e encaminhar o leitor a uma progressiva sensação de sussurros semelhantes à sonoridade do vento.

Não creio que essa escolha vocabular tenha acontecido de modo proposital, racional e/ou pinçado de algum dicionário à disposição do escriba.

Prefiro acreditar que, ao longo do ato de criar, tudo tenha acontecido de maneira, digamos, um tanto intuitiva.

Estou seguro de que o escritor desse conto chegou a seu belo resultado por se entregar plenamente a uma precisa invasão de todo um ritmo fonêmico – explicitamente, sonoro - cúmplice do sentido da situação narrada.

Com peculiar uso da língua e da linguagem literária expressivas, assim ele vivenciou e alcançou equilibrada escolha verbal de termos poéticos próprios para narrar o vento presente em seu conto, com justo e atraente efeito junto aos sentimentos e a mais devida percepção do leitor.

Por que acontece isso ou como isso acontece na atividade criadora de um escritor?

Qual a fonte geradora da palavra certa, de uma boa frase ou da sonoridade de um belo texto narrativo?

O que conduz o escritor à cumplicidade necessária do sentido e do som das palavras no bom resultado de um texto literário?

Estranhos mistérios do ato de criar uma história.

Decerto outra história... a ser contada em outra ocasião.

Resta aguardar. Hei de contar.

Com fraterna estima,
J. A.

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